Vício Nacional

 A telenovela brasileira já foi bem melhor. Teve conteúdo e autenticidade. Foi celeiro de escritores e artistas teatrais.  Agora só reedita clichês, renova carinhas bonitas e corpos sensuais. Chamar este produto de "novela" é subverter e desclassificar o estilo literário. 

Dia desses revi um capítulo de "Água Viva", em reprise num canal a cabo. Em cena, o falecido Raul Cortez, que sempre me fez vê-lo como um ovo falante. Esta era a imagem em ação que eu formava na minha cabeça infantil, na época em que a telenovela foi exibida pela primeira vez. Talvez, por deter tamanha expressão natural no rosto, o ator abusava do recurso das pausas dramáticas teatrais. Silêncios para o espectador imaginar o pensamento da personagem. Outras feras da dramaturgia também o faziam. Uma época boa em que imaginar e ver televisão ao mesmo tempo, era possível.
Hoje, não! A edição é clipada. Frenética. O espectador, hipnotizado. Travado no sofá e longe do controle remoto. O que interessa para as emissoras é manter o aparelho ligado para dar audiência. Na novelinha idiota, as personagens pensam em voz alta e o espectador passional ou inocente, reproduz este comportamento, automaticamente.

Tudo muito bem pensado na lógica comercial. Os comandantes de programação de TV são inteligentes e não brincam em serviço. Treinados em neurolinguística. Inteligência emocional. Análises de discurso. Mestres na arte mambembe de fantoches e ventriloquia. E manipulam bem...

Reparo que as pessoas viciadas em folhetins televisivos costumam narrar os fatos corriqueiros do cotidiano: "Bem... entrou o comercial da novela... Vou na cozinha tomar minha água porque estou com sede e vou ao banheiro fazer xixi porque a bexiga tá cheia e esse sofá me dá dor nas costas..."  Falam tudo o que pensam. Agregam importâncias a coisas corriqueiras. Riem e choram com melodramas rasteiros e bobos.

E os comportamentos neuróticos e histéricos dos adolescentes? Artistas amadores que ainda não dominam a arte da representação, interpretam nervosismo com gritos e xingamentos. Os diretores não percebem ou fazem vista grossa? A massiva exposição em rede nacional transforma estes projetos de atores e atrizes em toscas celebridades e exemplos a serem seguidos por adolescentes de todo o país. Para muita gente, trata-se de moderna lavagem cerebral e covarde ataque aos autênticos costumes regionais e interioranos.

Salvas exceções, a grande maioria dos renomados novelistas não demonstra ou admite preocupação com as consequências de suas tramas diabólicas. Estes novelistas debruçam-se sobre a licença poética da ficção como justificativa para incoerências. São escritores prestigiados. Afetados pela vaidade, a soberba e não raro os demais pecados capitais. Talvez por experiência própria, estes criadores de comportamento demonstram conhecer muito bem o submundo das sensações humanas. Chafurdam nos esgotos dos sentimentos perversos para desenterrarem seus toscos personagens. Os novelistas tem poder. Assim como os marqueteiros políticos, reinventam um mundo de mentiras que, a posteriori, serão reproduzidas e assimiladas como verdade pelas parcelas incautas da população. 
Exagero? 
Esta é uma obra de realidade. Qualquer semelhança com a ficção não é mera coincidência.

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